Montillo chega para a entrevista e pede desculpas pelo atraso.
- Desculpe-me, é que fiquei na academia, fui tomar banho. Tudo bem? Vamos conversar?
Não é à toa que esse argentino, de 27 anos, caiu nas graças do torcedor cruzeirense em tão pouco tempo. Além de ter o principal, ser dono de um futebol bem acima da média, Montillo sempre esbanjou educação, simpatia e cordialidade, seja nos bons ou, como agora, nos maus momentos. E para a felicidade da imprensa, o argentino não é adepto do “portunhol”, muito pelo contrário: faz questão de falar um bom português.
Desde que chegou ao Cruzeiro, Montillo viveu de tudo um pouco. Sob o comando de Cuca, em 2010, comandou uma das sensações da temporada e disputou o título nacional até a última rodada. No começo de 2011, ainda com Cuca, tudo parecia ainda melhor, com a Raposa – liderada pelo argentino – que dava show na Taça Libertadores. A eliminação para o Once Caldas, no entanto, fez o time descer a ladeira. Por pouco, o Cruzeiro não perdeu o título estadual para o maior adversário, o Atlético-MG.
- O golpe da Libertadores foi forte, ninguém vai falar que não. Foi um ano de muita coisa diferente. Começamos bem, ganhamos o Mineiro, que, para nós, era importante, para ser o melhor time do estado.
Com o título conquistado, as atenções do vice-campeão brasileiro de 2010 se voltaram para o Brasileirão. O resultado, porém, até agora, é decepcionante. São três técnicos, um time desmanchado e sem personalidade. A tabela castiga: 29 pontos em 24 jogos, com o Cruzeiro perigosamente perto dos clubes que estão na zona de rebaixamento. Montillo admitiu que o futebol apresentado passou longe das tradições cruzeirenses.
- No Brasileiro, o time não começou bem, acertou um pouco com a chegada do Joel, depois caiu de novo. Mas, mesmo assim, não era o Cruzeiro que todo mundo esperava, que todo mundo quer ver. Por isso, estamos onde estamos na tabela. Temos que melhorar muito. Somos conscientes disso.
Falar que Montillo foi do céu ao inferno não seria justo. Mesmo com todas as adversidades, o argentino sempre foi o destaque do time, com belas atuações e, quase sempre, com muitos gols. Walter Damián Montillo é, sem sombra de dúvidas, a estrela que brilha mais forte no grupo que ainda busca a melhor qualidade técnica.
Nesta entrevista, Montillo falou um pouco sobre tudo: a má fase do Cruzeiro, a quase ida para o Flamengo, os dias difíceis na época da cirurgia do filho, Santino, o sonho de jogar na Europa e quem ele vê como o melhor jogador brasileiro da atualidade.
Montillodependência
Mesmo ciente de ser um dos principais jogadores do elenco, Montillo quer evitar que um rótulo seja estabelecido no Cruzeiro: o da Montillodependência.
- Às vezes, quando o jogador é meia, tem mais responsabilidade também na criação de bons lances. Sempre falo que, quando ganhamos, ganhamos todos. Eu posso fazer gols, dar uma assistência, ser o melhor em campo, mas, aqui, brigamos para ganhar. Não sei se uma “Montillodependência”, como vocês da imprensa falam. Talvez, por verem o jogo de fora dê para falar, mas, dentro do campo, sempre trato de fazer o melhor.
Entre o Ninho e a Toca, a Toca
Se hoje Montillo atua com tanta desenvoltura pelos gramados, antes de chegar ao Brasil, o craque argentino confessou que teve medo.
- Eu via com muito respeito o futebol brasileiro, antes de chegar aqui. Há muitos jogadores de qualidade técnica. Então, cheguei com respeito e com um pouco de medo também. O medo era errar, porque ninguém me conhecia quando cheguei aqui. Falaram que o Riquelme ia chegar aqui também, com experiência muito grande. Cheguei calado, o que foi melhor também.
Antes de firmar as bases na Toca da Raposa II, no entanto, Montillo, por muito pouco, não tomou o rumo do Rio de Janeiro. O Flamengo esteve muito próximo de levar o jogador. Porém, como no Universidad de Chile ainda não tinha o nome que tem hoje, o rubro-negro preferiu não arriscar, naquilo que a própria presidente do clube, Patrícia Amorim, definiu como uma frustração.
- O Flamengo tinha passado uma proposta do salário, mas não queria pagar o passe. Eles queriam trocar por um jogador e pagar uma parte. O Universidad de Chile não queria isso. E nisso o Cruzeiro começou a negociação e acertou tudo mais rápido, colocaram o dinheiro, confiaram, e acho que foi com sucesso.
Que fase...
Em meio aos problemas no Brasileirão, Cruzeiro e torcida contam com o talento de Montillo para tirar o time da atual fase: 29 pontos em 23 jogos e jejum de quatro rodadas sem vitória. Para o meia, vários fatores explicam a queda de rendimento que levou o clube a ser, no começo do ano, um dos mais temidos da temporada e, agora, mero coadjuvante.
- São coisas que atrapalham. O time, quando não ganha, perde a confiança. Às vezes, nem o próprio jogador acredita, quando são muitas derrotas. No Cruzeiro, tem muito jogador novo também. Tem o Naldo, que começou agora, o Gil, que foi vendido, o Diego Renan, o próprio Wallyson. É um conjunto de coisas que atrapalha.
As contusões, situação que viraram mais rotina também prejudicam muito, segundo Montillo.
- É difícil quando o time não consegue jogar duas partidas com a mesma equipe. São muitos desfalques, muitos jogadores machucados. Não é que quem entre não seja bom como os que jogavam, mas, às vezes, alguém que não esteja jogando tem dificuldade de jogar 90 minutos.
#FuerzaSantino
Antes mesmo das dificuldades dentro dos gramados, Montillo travou uma luta paralela. Não por ele, mas pelo pequeno Santino, hoje com um ano e meio. O filho, que tem síndrome de Down, foi internado por conta de uma pneumonia e realizou uma cirurgia no coração. Montillo explicou como conciliou os problemas em casa com o trabalho na Toca da Raposa II.
- Minha família compreende que nós vivemos essa pressão no trabalho. Tive que continuar normalmente, não dava para ficar duas semanas fora e voltar. Aqui tem que trabalhar com o físico e se não treinar no dia a dia, perco muito. Eu tratava de estar aqui, estar lá, com a ajuda da minha mulher, que ficava lá o tempo todo com o Santino. Mas a torcida, imprensa, todo mundo, ajudou muito. Aqui no Cruzeiro, quando precisei do tempo, de chegar mais tarde à concentração, todos estavam à disposição para aceitar.
¡Hasta la vista!
Se Montillo conseguiu reunir uma verdadeira corrente do bem em torno do filho, o mesmo não deverá acontecer no dia que ele deixar o clube. Na verdade, depende do referencial. Para a torcida celeste será uma perda imensa. Para os adversários brasileiros, um alívio. O jogador já foi assediado várias vezes, mas o Cruzeiro conseguiu mantê-lo no elenco. Até quando é difícil dizer. E o argentino reconheceu que jogar na Europa é um sonho.
- O futebol europeu sempre seduz. Pessoalmente sempre quis jogar em um time grande, seja na Europa ou na América. Seduz jogar na Europa, em um grande clube. Tenho 27 anos e, às vezes, é difícil que um time grande contrate um jogador que já tem essa idade, mas tudo pode acontecer no futebol. Se continuar as coisas bem aqui, e algum time ficar interessado em mim, bem-vindo seja.
Conselho de argentino
Os laços de Montillo com o Brasil estão tão fortes, que o argentino deu um conselho para os dirigentes do país: cuidem de Neymar. Para Montillo, o craque da Vila Belmiro é, disparado, o melhor jogador brasileiro em atividade.
- É um jogador acima da média, totalmente diferente. Eu o vi dentro do campo. É um jogador jovem, não se machuca e pensa como um jogador de 30 anos. Ele é craque, muito diferenciado. O Brasil tem que cuidar muito dele, porque no futebol brasileiro ele é muito importante. É uma exceção. Acredito que ele vai conseguir muita coisa na Seleção.
Desafio
Montillo está confirmado para a partida de logo mais, às 20h30m (de Brasília), no Couto Pereira, diante do Coritiba, pela 25ª rodada do Campeonato Brasileiro. Mais uma chance para os fãs do futebol-arte admirarem esse argentino, que, com muito talento, já conquistou o Brasil.
FONTE:GLOBOESPORTE.COM
Postado por Guilherme Lourenço.
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